No academicismo teológico ouve-se, frequentemente, alegações com fortes implicações teológicas e filosóficas. E isto é importante pois, do contrário, como entenderemos o mundo que nos cerca? Sabe por que vivemos no paradoxo atual de uma ciência que baseia-se em fé.. e renega a "fé" pela alegação de que esta destrói a base daquela? Porque simplesmente pensa-se cada vez menos sobre o mundo que nos rodeia. Eis a importância de bons estudos teológicos e filosóficos - valendo-me das palavras de certo catedrático - "Não é o que fazemos com a Filosofia (e atrevo-me a dizer "com a Teologia", também), mas o que ela(s) faz(em) conosco". Esta falta de percepção e acuidade pode iludir a todos, não se engane. Desde os mais iletrados, aos que se auto-intitulam "informados"... desde os incaltos aos doutores, desde os analfabetos aos professores. Uma visão de mundo que faça sentido precisa ser consensual às bases do pensamento dito racional. Assim, até as críticas serão verdadeiramente construtivas. Do contrário, tudo, tudo mesmo, redunda em achismos, unilateralismos, jactâncias(*), minimalismos, nada mais.
Afirmo, também, que nossas frases prontas para "definirmos" a Deus, por si sós são insuficientes, pois não alcançam todos os meandros da realidade. Se a realidade existe com Deus que é ilimitado, toda a realidade é ilimitada, sendo necessária uma sucessão infinita de pensadores para, através de tentativas e erros também infinitas, chegarem a uma conjectura satisfatoriamente compreendedora de Deus, o que é realmente impossível. Mas, infelizmente ou felizmente, precisamos perscrutrar sobre os absolutos, e os que me refiro aqui são as bases do nosso sistema epistemológico, como um todo. Logo, afirmar que não há absolutos, por si só já é um contrasenso, pois tal frase é, supostamente, absoluta (ou absolutista). Absolutos existem, e isto é absoluto. Precisamos deles, pois com os mesmos definimos a realidade que nos cerca. Observe que disse "definimos" e não "construímos", pois a realidade é, e não pode ser uma ilusão. Do contrário a própria ilusão seria ilusão, outro contrasenso.
Precisamos de frases que digam alguma coisa sobre Deus, pois pressupomos a sua existência congniscível. Descartes, há muito, já especulara sobre isto, falando do "perfeito vindo ao imperfeito". É deste ponto que pegamos nossa carona - o que quer dizer perfeito? Quando dizemos que Deus é perfeito geralmente nos referimos aos atributos morais, pois tal palavra encontra ampla aceitação de tal sentido no vocabulário popular. "Perfeito" é alguém que ´não erra´, é alguém moralmente insulperável, um bastião irrepreensível de benignidade. Mas, "perfeito" é muito mais do que isso. Quando transpomos o vocábulo para objetos, observamos que a palavra toma uma conotação de estética. Claro, nos jargões populares não há ética em objetos...mas isto não é verdade. As bombas que caíram sobre as cabeças dos líderes talibãs não foram melhores em si mesmas do que as que o Hezbolah atira sobre Israel, apesar de seus contextos serem completamente distintos. Logo, observamos que temos uma responsabilidade, sim, quando definimos a realidade: Ela precisa ser corretamente definida.
Se precisamos definir bem a nossa realidade, a que chamaremos desta feita em diante por "Criação", o que se dirá do Criador? Como definir o Criador? Este já foi um assunto reservado à metafísica, ou seja, algo exclusivo de filósofos e teólogos teístas. Mas, em uma época de design inteligente(*), evolucionismo, teísmo aberto(*), universos paralelos, descontrucionismo(*) pós-modernista, física quântica associada à filosofia oriental mais do que nunca precisamos saber definir bem nossa realidade, os propósitos da mesma, e tudo nos leva à direção do Criador, a mente que de forma ilimitada, pensou e executou aquilo que pensamos serem infinitas possibilidades de existências e organizações no Universo. O quê podemos dizer sobre Deus que corresponda à realidade, dentre tantas outras vozes? A Bíblia não se preocupa em definir ou argumentar sobre a existência de Deus. "No início criou Deus os céus e a terra", começa o livro de Gênesis, apresentando Deus. Ao contrário, poderíamos afirmar que, se há alguma preocupação bíblica neste aspecto, não é com a existência de Deus, mas com os que pensam em sua inexistência: "O ímpio, na sua soberba, não investiga. Não há Deus são todas as suas cogitações" (Sl. 10:4). A Bíblia nos diz muito sobre Deus, e com algo do que ela diz podemos tecer alguns pensamentos que deem-nos uma visão de algo definido sobre o Criador (visão incompleta, asseverarão alguns... é verdade.. mas mesmo assim, uma visão).
Quando, baseado na Bíblia ou não, o homem imagina Deus como sendo necessariamente infinito, algo está querendo se dizer com isso, mesmo que a maioria dos que afirmem tal coisa não faça uma boa idéia do que está se dizendo. Não digo isto presunçosamente, digo o que é realidade. Como professor já pude me deparar com debates acalorados sobre a natureza da realidade que perderam seus própósitos, não porque os debatedores eram incompetentes mas porque deixaram-se levar pelo subjetivismo perigoso e avesso ao objetivismo necessário para analisarmos, por exemplo, o quê estamos querendo dizer com infinito, realmente. Deus é perfeito porque é infinito? Pode ser... Deus é perfeito necessariamente porque é infinito? Com certeza não! O que este necessariamente implica para que a respsta a esta pergunta difira da outra? O fato de atribuirmos perfeição a Deus por causa apenas da sua infinitude. E infinitude não é motivo mais do que suficiente para, necessariamente, atribuirmos perfeição a Deus? Não, pois se assim fosse, o conjunto dos números racionais, ou irracionais, ou inteiros teriam de ser divinizados, posto que TODOS são infinitos. Apesar de muita coisa, para perfeição, "infinito" não significa coisa alguma.
O infinito, portanto, não é pefeito? Não (que o digam os conjuntos dos números). Mas Deus tem de ser infinito, pois do contrário não poderá ser perfeito. Isto porque o perfeito é infinito. Explico: Quando falamos que algo é "perfeito", como disse no início, estamos nos referindo a partes da realidade. E algumas destas partes são completamente arbitrárias - como a estética de um tempo. Algo pode ser considerado perfeito esteticamente, mas imperfeito em vários outros aspectos (imagine um prédio aparentemente impecável, visualmente perfeito, mas com sérios problemas de fundação). Infinitude, portanto, é substituída por uma terminologia mais satisfatória, justamente por ser mais abrangente (o trocadilho destacado é proposital) - ilimitação. Quando dizemos que Deus é perfeito porque é infinito, vimos que tal afirmação pode condizer com a realidade, mas quando inserimos a palavra necessariamente (Deus é perfeito necessariamente porque é infinito), a condição da possibilidade desfaz-se, sinalizando que infinitude não é sinônimo de perfeição (mesmo que pareça o contrário). Quando, porém, inserimos a palavra ilimitação o problema rapidamente se desfaz, e, tanto o possivelmente quanto o necessariamente encontram adequações: "Deus é perfeito porque é necessariamente ilimitado". Valho-me do segundo exemplo, de antemão, pois o mesmo engloba o primeiro.
Como se pode testar o axioma? Como na falsificabilidade popperiana(*), penso que a melhor maneira é tentando falseá-lo. A mesma é falseável? Claro que em termos empíricos, não. A pergunta, retórica, refere-se a termos filosóficos. Esta pergunta tem, portanto, algum valor? Com certeza, pois se uma filosofia não explica algo não é filosofia mas qualquer conjectura vazia. É neste sentido que uso o termo. Logo, podemos perguntar melhor: Pode-se imaginar algo contrário ao que pretendemos dizer - "Deus é perfeito necessariamente porque é ilimitado?". Para responder esta pergunta é necessário que saibamos qual é a negativa da questão. "Deus "não" é perfeito necessariamente porque é ilimitado?". Necessariamente, não. Observe que esta não é a resposta obtida quando substituímos ilimitado por infinito: Deus "não" é perfeito necessariamente porque é infinito? "Sim!!". Você pode (e talvez deva) estar se perguntando: "Por que ilimitado é uma terminologia melhor?". Porque ilimitado transita melhor, creio eu, entre os mundos do subjetivo e objetivo. E, quando nos referimos ao objetivo, observamos claramente o contraste entre a Criação e o Criador - Toda a Criação é finita. É uma impossibilidade imaginarmos algo que seja finito quanto ao espaço, mas infinito quanto ao tempo. E vice-versa. Infinitude, pois, remete-nos a algo percorrido ou contabilizado. É por isso que o conceito de infinito está, também, nas contas (matemática), e na física. Quando se propõe a percorrer (espaço) e contabilizar (tempo) vem em nossa mente claramente a idéia do infinito.
Isto não tem sentido quando pensamos em Deus. Observe, quando falamos em Deus, tempo e espaço não têm sentido algum. Não se pode pensar e consequentemente atribuir perfeição no sentido absoluto da palavra partindo-se da premissa do percorrido ou contabilizado. Assim, chegaremos a idéias errôneas, a posteriori(*), como a divinização dos números (o que aconteceu aos pitagóricos). Ao contrário, visualizando uma ilimitação (a priori), nos aspectos subjetivos e objetivos, no tempo e espaço (objetivo) e, no amor e justiça - assim como na ira e em todos os sentimentos construtivos (não se esqueça de que zelo, ira e justiça, mesmo nos nossos contextos, andam sempre juntos - subjetivo), não têm sentido quando afirmarmos que não têm fim, mas revestem-se de sentido quando afirmarmos que não têm limites em Deus. Se todos os aspectos de Deus são ilimitados a priori(*), há necessariamente perfeição (em todos os sentidos). Se forem infinitos, não necessariamente!!
Deus é perfeito necessariamente porque é ilimitado. E o mais interessante é que isto não é uma construção da realidade, como tanto querem os novos neopagãos orientais que gostam de física quântica, mas uma tentativa de definição da realidade. A realidade não pode ter surgido por si mesma, nem pode ter existido infinitamente, mesmo que somente em um de seus aspectos (tempo ou espaço). O universo expande-se, de forma ilimitada. Mas, não há ilimitação quanto ao tempo. A Criação é limitada, em parte. Tal limite (no caso, o tempo) torna tudo o que há essencialmente imperfeito. Nem sempre tudo o que existe, existiu. Deus não somente é infinito, mas ilimitado. Não há nenhum tipo de limite para qualquer dos aspectos que compõem sua realidade. Não é que ele seja tão incomensuravelmente grande (infinito) que não se pode medir que vá de um canto a outro.... é que, em se tratando do Criador, isto não tem sentido algum, seja no tempo, seja no espaço, seja no amor, em ira ou justiça!...
Artur Eduardo
Grande reflexão, Artur.
ResponderExcluirSaio muito mais enriquecido depois dessa contemplação.
Parabéns!!!
Do ponto de vista da lógica formal, o texto não incorre em erros. Estabelece um jogo linguístico de significados e conceitos no inteior de um percurso lógico. Se aproxima da escolástica, velha conhecida, em muitos momentos. Em outros, recai em especulações envernizadas, como no caso do falsificacionismo (Popper nunca pensou em se "falsificar" uma construção discursiva, mas, antes, generalizações provenientes da dedução/indução lógica em pesquisas científicas). Os pressupostos são exatamente isso: pré - supostos. Não são demonstradas as origens, reais ou abstratas, dos axiomas dos quais o autor parte. A partir de construções abstratas do discurso, o autor conduz, por meio da semântica, a conclusões que não pode demonstrar. Sendo assim, suas conclusões estão fadadas a conclusões abstratas logicamente corretas. Não seria absurdo, nos termos do conteúdo do texto, se o autor concebesse, por exemplo, a existência do Saci Perêrê. Se o termo "Deus" for substituído pela figura do nosso Folclore, o conteúdo do texto não perderia em nada o rigor lógico e a falta de demonstraçãoa real. Note-se: poderia ele partir dos mesmos pré-supostos - o Saci é perfeito porque é ilimitado ou é ilimitado porque é perfeito? Poderíamos estender este jogo ao infinito. Se o objetivo do texto é discutir, em nível de construção lógica da linguística, a possibilidade ontológica de um "Deus", ou Saci Perêrê, não importa, é um belo exercício, típico da filosofia medieval. No entanto, se pretende estabelecer, no plano real e não apenas nas abstrações da racionalidade enfeitada, um princípio ontológico e gnosiológico de uma deidade qualquer, precisa ultrapassar a linguagem teológica. Precisa demonstrar como os pré-supostos foram construídos, ou seja, não pode haver pré-suposto que não esteja anteriormente pré-demonstrado.
ResponderExcluirUm princípio de debate pode estar lançado!
Concordo, em parte, Jamerson. Concordo que a ontologia está, de fato, ligada à teologia. Especificidades cristãs, contudo, não se limitam à lógica medieval, embora esta tenha sido a maior das propagadores de algumas das mais conhecidas daquelas. Discordo, porém, quando você parece reduzir a lógica intrínseca do texto apenas a axiomas linguísticos. Outro ponto foi uma citação que fiz de Popper, de forma retórica, o que está explícito no texto. Afirmei isto quando disse que, em relação ao texto, era impossível qualquer tipo de falseabilidade empírica. Além disso, você escreveu: "Não são demonstradas as origens, reais ou abstratas, dos axiomas dos quais o autor parte. A partir de construções abstratas do discurso, o autor conduz, por meio da semântica, a conclusões que não pode demonstrar.". Axiomas autoevidentes, como o conceito do que é ilimitado, parecem-me isentos da necessidade de que sejam demonstrados, pois a idéia está implícita. O fato de você afirmar que o texto foi conduzido por ´semântica´ não tira ou desmerece a veracidade do que foi dito. Concordo com você quando faz analogias do nome ´Deus´ a figuras folclóricas, emparelhando-as unicamente sobre convenções linguísticas. Contudo, sua justificativa do desuso do termo ("...um princípio ontológico e gnosiológico de uma deidade qualquer, precisa ultrapassar a linguagem teológica") é inapropriada: Por que é necessário que se eximam as concepções ontológicas do ser (de Deus)? Principalmente se levarmos em consideração que, na perspectiva cristã, o atributo máximo do ser de Deus, sua existência, se dá pela pela perspectiva revelacional. Digo isto pois estou levando em consideração aspectos históricos e culturais nos quais também me baseei para considerar sobre Deus. Moisés, o autor do Pentateuco, escreve sobre um Deus ´que é´ em (aprox) 1450 a.C. Um Deus sem princípio ou fim, indefinível por ser ilimitado (daí o verbo no hebracio estar no presente - hayah)numa época em que o inconcebível era a identificação de qualquer deus sem nome ou forma. Se há um ´exercício escolástico´, este se baseia no aspecto bíblico revelacional, e não o contrário. Assim, é óbvio que qualquer ontologia divina leve em consideração, também, o aspecto teológico.
ResponderExcluirGrande abraço.
Feliz pela réplica. Apenas poucas considerações: 1 - a ontologia ultrapassou a teologia nas filosias existencialistas de Heidegger e Sartre. Estas duas limitaram-se ao campo, em última análise, idealista. Nas décadas de 1940-70, um filósofo húngaro chamado Georg Lukács inaugura uma ontologia marcadamente materialista, baseada nas principais investigações filosóficas de Marx. Sendo assim, a ontologia materialista de Lukács, fundamentalmente revolucionária, reecreve as linhas mestras do estudo do ser social, sua essência e relações no interior do capitalismo e para além dele.
ResponderExcluir2 - o axioma auto-evidente como o conceito de ILIMITADO não foi objeto de crítica. Acontece que, no texto, não são conceitos como ILIMITAÇÃO que exigem demonstração, mas a pré-suposta figura DEUS. Mas fica clara, na sua réplica, que a existência de Deus é assegurada como artigo de fé - note-se que sua referência está hipotecada à figura de Moisés. A existência de Deus sendo confirmada mediante um conteúdo "revelacional" encerra a discussão, pois não há como contestar (nem validar) uma suposta "revelação divina". Neste ponto, a discussão passa a ser de fé. Chamo apenas atenção para o fato de que, colocados esses termos, passamos para um relativismo extremado. Veja, qualquer pessoa terá a possibilidade de reivindicar um conteúdo dessa natureza. Posso, por exemplo, afirmar que fui "inspirado por Deus a exterminar os incrédulos", isto possui antecedentes históricos concretos. Perceba-se o risco de dogmatismo e fanatismo que pode se instalar.
Dito isto, minha argumentação se dá por satisfeita.
Obrigado pelas considerações, Jamerson. Uma única consideração: De fato, é impossível validar a revelação, ou invalidá-la. A validação, por minha parte, está baseada em evidências históricas e comparativas posto que o conhecimento do ilimitado (como proposto no livro do Êxodo) é, em termos metafísicos, bem à frente de seu tempo. Desconsiderar este fato não faz jus à análise pois toda ela baseia-se no conceito da inapropriação do infinito (postulado) para o ilimitado (revelado) como constitutivos da deidade. Além disso, vê-se que a idéia transcende a idéia da possibilidade de existência para a certeza de existência singular, isto é, única. Não pode haver duas deidades ilimitadas, e isto é, inegavelmente, outro conceito à frente de seu tempo (século XV antes de Cristo). Abraço.
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