segunda-feira, 16 de março de 2009

Inteligência artificial

SOBRE UM DEBATE QUANTO À COGNIÇÃO ARTIFICIAL


Um colega, em discussão no Orkut sobre IA (inteligência artificial), transcrevendo uma posição do Wikipédia, registrou:

"Um comportamento emergente ou propriedade emergente pode aparecer quando uma quantia de entidades (agentes) simples operam em um ambiente, formando comportamentos complexos no coletivo. A propriedade em si é comumente imprevisível e imprescendente, e representa um novo nível de evolução dos sistemas. O comportamento complexo ou as propriedades não são a propriedade de nenhuma entidade em particular, e eles também não podem ser previstos ou deduzidos dos comportamentos das entidades em nível baixo".Esta é uma clássica posição evolucionista que, observem, a priori, já demonstra seu comprometimento com a filosofia naturalista: "...O comportamento complexo ou as propriedades não são a propriedade de nenhuma entidade em particular".

Várias observações podem ser feitas quanto a um comentário deste tipo:

1 - Talvez não se tenha apercebido que seu comprometimento com a filosofia naturalista é a priori. Isto NÃO é novidade para ninguém, principalmente depois de algumas declarações que repercutiram muito na mída. Richard Dawkins, o mais famoso militante anti-religião, afirmou: "Nosso comprometimento filosófico com o materialismo e o reducionismo é verdadeiro", em correspondência eletrônica com Phillip Johnson, líder do movimento chamado "Projeto Inteligente", nos EUA: http://www.arn.org/docs/pjweekly/pj_weekly_010813.htm . Chamamos isso em ciência de argumentação do "é porque é". Richard Lewontin, de Harvard, deixa isso claro como água, quando corajosamente reconhece algumas implicações de causa e consequencida da teoria que defende. No The New York Review of Books, de 1997, ele disse: "Assumimos o lado da ciência, apesar do patente absurdo de alguns de seus constructos, a despeito de sua falha em cumprir muitas de suas promessas extravagantes de saúde e vida, a despeito da tolerância da comunidade científica pelas histórias do tipo "é porque é", porque nos comprometemos previamente com o materialismo. (...) Além do mais, este materialismo é absoluto, pois não permitir a entrada de nada que seja divino".

2 - Precisamos, portanto, tomar cuidado com o que pensamos ser fato consumado. E há fatos consumados em ciência, sim. Contudo, depois de Karl Popper, sabemos que para que "ciência" seja conhecida como tal, é necessário que tenha a ´possibilidade´ de ser falseável... Mas, isto não quer dizer que sobre determinados aspectos tidos como científicos os especialistas que trabalhem em suas determinadas áreas, não tenham objetos de seus estudos como "fatos estabelecidos". Negar isto é infantilidade.... (p. ex.: negar que a "lei" do próprio Popper NÃO é científica, pois se fosse ela mesma teria de ser falseável, o que é um absurdo, pois para que tenha alguma validade ela precisa ser "absoluta". Isto exemplifica que se a ciência quiser ser levada à sério ela precisa saber que, inelutavelmente, está andando pelos (às vezes, sorrateiros) campos da filosofia e da lógica.

3 - A citação, que ganhou alguma conotação em nossa discussão, ainda diz: "Um comportamento emergente ou propriedade emergente pode aparecer quando uma quantia de entidades (agentes) simples operam em um ambiente, formando comportamentos complexos no coletivo". Isto é completamente especulativo... Vide o trabalho sobre o flagelo bacteriano, por exemplo. http://permanencia.org.br/revista/Pensamento/behe.htm. À propósito, muita confusão se faz sobre o design inteligente. Aqui, uma interessante carta, dirigida ao leitor/público acadêmico, da SBPC: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=33454 (peço-lhes que leiam com calma.. boa explanação deste leitor do Jornal da Ciência). Não se vê, em relação à matéria e à organização complexa de organismos, no universo, nada que vá do mais simples ao mais complexo. Pelo princípio entrópico, vemos o contrário: Do mais complexo ao mais simples... Tudo o que burla isto, abertamente, é a T.E. Somente na T.E. vemos que o mais simples vai ao mais complexo, eliminando-se retórica e filosoficamente todas as questões físicas e metafísicas ligadas à criação da vida, com a abiogênese. Se não há biogênese, um problema maior inrrompe: a fatídica explicação para uma existência prévia eterna da matéria (sejam em que níveis tenham se dado), o que é uma contra-senso já combatido pelo famoso argumento kalam, que demonstra a impossibilidade de uma regressão infinita de eventos contingentes (isto é, "causados por outros") pois, se tal regressão existisse, jamais existiria o presente, o dia de hoje.

4 - O paradoxal não termina aí. Gosto muito do Carl Sagan.. Ele foi um dos principais divulgadores da ciência.. mas, péssimo em questões de lógica e metafísica. Carl era um dos simpatizantes da teoria do "universo inflacionário", que claramente burla a impossibilidade de regressão infinita de eventos contingentes. Outra questão interessante é que Carl afirmou em seu romance, "Contato", que uma simples sequência de números primos era o suficiente para que qualquer cientista do SETI soubesse que a mesma tinha uma origem inteligente. Ora, na popular série televisiva"Cosmos", Carl faz uma analogia com a nossa capacidade cerebral e a biblioteca do congresso nacional americana: Nós temos nos nossos cérebros, em termos de dados, mais ou menos a mesma quantidade de material codificado existente na quantidade de volumes que possui a BCN dos EUA. O que não consigo entender é que não exista nada (natural, desprovido de inteligência) no universo (posição prévia de Carl) que possa originar uma sequencia de números primos... mas "não pode haver uma explicação metafísica - e aqui, entenda-se que metafísica virou sinônimo, infelizmente, de superstição irracional, algo que desagrada, e muito, os filósofos contemporâneos!!! - uma explicação em Deus, por exemplo, mas temos que imaginar que o tempo e as forças aleatórias originaram e deram continuidade ao desenvolvimento dos processos altamente complexos da natureza (viva), levando-os até à cognição!!!.

5 - E finalmente, se o cérebro produziu a auto-consciência, este é um evento que não encontra paralelo em nenhum sistema estudado até hoje, e vai de encontro a todos os processos epistemológicos que conhecemos... Como uma "máquina" pode criar o "sofware" que irá operá-la? Isto NÃO é fato com a IA, como bem o sabemos... Adequando-se à constante de causa-efeito, a IA tem uma causa mais inteligente do que ela mesma, assim como todos os passos necessários que levaram a ela não vieram de uma "seleção natural", mas foram pesquisados, projetados, desenvolvidos, idealizados, SEMPRE; isto sim, é algo que adequa-se aos nossos sistemas epistemológicos. Creio, sinceramente, que falta uma análise verdadeiramente crítica dos padrões estabelecidos quanto ao desenvolvimento da inteligência a partir de meios puramente naturais (naturalismo) que, penso eu, é muito mais filosófico do que empírico. Na ânsia de se retirar Deus de cena, ou de se associar a metafísica à supersticiosidade, os defensores do naturalismo filosófico, declaradamente pressuposicionalistas, tornam-se aquilo que mais tentam combater!

Artur Eduardo

Nenhum comentário:

Postar um comentário